terça-feira, 2 de novembro de 2010

Último texto inédito do poeta Ildásio Tavares.

UM POETA DA BAHIA (Ildásio Tavares)

    Anos 1968, a Bahia se esgueirava da sombra da ditadura e uma “jeunesse dorée” buscava abrigo e refrigério sob o manto da arte, como alternativa para uma realidade que rejeitava, Uns dedicavam-se às artes plásticas; outros ao cinema, à música popular, à poesia, ao teatro. Foi nessa época que me aproximei mais de Antonio Lins, o Toninho, unidos pela poesia e pelos festivais de música popular. Temperamento recatado percebi logo que este jovem não era do tipo de fazer estardalhaço, nem de ser o marqueteiro de sua própria obra – desde então, Toninho Lins era mais de guardar as pérolas que recolhia de seu cotidiano de pessoa sensível – quase nada me mostrava de seus poemas ou do que viria a ser letras de sua inúmeras músicas de sucesso.
       Nossa aproximação se firmou na casa de seu pai, romancista e presidente da Assembléia Legislativa, Wilson Lins, magnífica figura de ser humano que vivia praticamente numa fazenda no alto do Rio Vermelho, ornamentada de araras, rodeado de amigos, poetas, escritores, cineastas, compositores e o mundo político da Bahia.
Quando a coisa apertou, começou o êxodo. Eu fugi para os Estados Unidos e Toninho Lins foi para São Paulo, pelas mãos de Glauber Rocha e Orlando Senna, em busca de horizontes mais arejados, levando em sua bagagem sua sensibilidade aguçada para confrontar com a dura realidade da paulicéia desvairada.
       Toninho Lins guardou seus poemas, do último livro, por muito tempo. Neste último que ora releio “Amores Partidos- Poemas e Canções de Amor”, segunda edição, seu oitavo livro publicado, há poemas que dormitaram durante algum tempo na gaveta, mas que ao saírem para o papel se dispuseram de uma forma depurada e densa.
O poeta sente o tempo todo. Sente o dia a dia. Sente a conjuntura política e social. Sente a realidade urbana. E reage com o compasso sensível do verso que transmigra a realidade existencial para o papel.
Ele voltou à Bahia, assumiu a presidência da Fundação Gregório de Mattos, sacou que cultura não é prioridade de governo algum, se desentendeu com o prefeito João Henrique, mandou todos às favas e retornou a paulicéia, onde é candidatíssimo a uma vaga na Academia de letras, além de ter recebido, da Assembléia Legislativa, o título de cidadão paulista. Este é meu amigo Toninho Lins, personagem de Jorge Amado, em Tenda dos Milagres, nome de Rua em São Paulo, no Butantã, bairro de classe média, concedido pelo então prefeito Altino Lima, nos anos de 1980.
  Toninho Lins não é um espectador complacente das agruras do seu tempo. Ele esta envolvido nele; ele se maquiniza: “Deixa o coração sair pela boca/partir/Deixa o coração parir outros corações/E se abrir feito lata”...  Antonio Lins não é destes líricos do intelecto que celebram seus poemas no mais recôndito de seus gabinetes como mero ato masturbatório. Ele produz poesia como sumo da vida, numa constante extração de som e sentido de momentos vividos em que, como uma lâmpada, ele ilumina estes momentos, traduzindo-os na poesia mais autêntica porque ela é mais que uma poesia escrita Ela é uma poesia vivida. Uma poesia vivida que não despreza o pensamento porque, acima de tudo, pensa a vida.
Escritor e poeta Ildásio Tavares. (Arquivo pessoal)


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